domingo, 4 de dezembro de 2011

Conto: Gente que vira som




Lá na roça onde minha mãe morava não tinha computador nem TV. A atração era o rádio em cima da mesinha da sala. A família ficava em volta, gostando de ouvir até propaganda de desinfetante, e começava a cantar se começasse uma música da moda.

Certa vez, a minha avó chegou bem feliz e disse: “Sabe o filho de Tio França, com aquele vozeirão bonito, que se mudou para a capital? Conseguiu serviço de locutor de rádio. Às oito horas de hoje, vai estrear”. Aí, sim, que o pessoal se amontoou na sala. Fizeram beiju, cuscuz, banana frita e serviram para a festa barulhenta, que só se acalmou quando o programa foi começar.

“Boa noite, ouvintes de toda a Bahia, aqui é Jota Cirley para vocês...”. As meninas suspiraram. O Tio França gritou: “É o meu filho, é o meu orgulho!”. Minha mãe, que era novinha, nunca tinha visto o parente locutor e nem sabia como funcionava um rádio, começou a choramingar: “Tio, o meu
priminho teve que deixar de ser de carne e osso pra virar som?”.

Os convidados ficaram sem saber o que dizer. Ninguém entendia também como funcionava uma rádio e ficou na dúvida. Aí um vizinho sugeriu: “Será que tem uma máquina que faz o cabra virar som e depois desvirar?”. Todo mundo concordou! “É isso, é isso mesmo!”. Mas logo também apareceu a pergunta: “E música? É feita do quê?”.

Minha mãe, orgulhosa de sua imaginação, imaginou outra verdade: “É quando a gente morre e vira logo música, pra nunca mais ter que desvirar...”.

SAULO DOURADO, 22, É ESCRITOR

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